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A Última Hora do Plantão



A Última Hora do Plantão
por André Basualto

Um silêncio profundo antes dos momentos que precediam àquelas cenas.

Um tiro. Dois. Três. Quatro...

A emergência e o desespero não permitem o chamado da ambulância. Um carro qualquer. Corram para o pronto-socorro.

Os médicos naquela tarde de domingo daquele pronto-socorro estavam apenas esperando o fim de mais um plantão. Faltava apenas uma hora para a troca de horários. Já se espreguiçavam esperando a hora de ir embora e poderem descansar daquelas doze horas de serviço. Iam para casa logo. Era o que pensavam.

As cenas de horror frente à violência não acabam após o término dos disparos, elas estão apenas começando.

O grito de uma mulher rompe o silêncio da recepção do hospital. O desespero evidente em sua voz que dizia: “Eles mataram minha filha”!

Os médicos se levantam da cadeira para ir ver a cena, quando a mulher apenas adentra a sala de emergência com sua filha nos braços, deixando-a em cima da maca. Uma criança, parada, imóvel. A doutora grita: “Para a sala de reanimação”!

O enfermeiro corre e pega o corpo da criança nos braços. Não havia sangue espalhado nem caindo pelo chão. Havia um orifício na face, onde a bala provavelmente invadira. Todos correm, desde estudantes de medicina, técnicos de enfermagem, enfermeiros, médicos. Alguns apenas pela curiosidade, outros, na tentativa de salvar aquela menina.

Agora o desespero toma conta da sala de reanimação, talvez rotina daquele lugar. E mal os cirurgiões estão posicionados para avaliar a criança, eis que entra na sala um homem também vítima dos disparos, seguido por uma mulher numa maca, também baleada.

A doutora exclamava e se perguntava o que havia sido aquele inferno, enquanto avaliava a criança e percebia que ela já estava morta e ordenava a um estudante para auscutá-la. Talvez aquele estudante jamais esqueça a sensação de vazio e medo que sentiu naquele momento.

Enquanto a doutora corria para ajudar o outro colega a atender o rapaz baleado, ali estava o estudante com o estetoscópio, com o receptor no tórax de um ser humano tão pequeno, sem ouvir o coração dela bater, sem o murmúrio vesicular fisiológico. Estava perplexo com a cena, implorando para que a ausência daqueles sons fosse um defeito do seu estetoscópio. Mas não era.

Infelizmente, a menina já estava morta. Não havia tempo para lamento.

“É assim que é a guerra?” O estudante de medicina perguntava a si mesmo enquanto ia se colocando no meio da confusão instalada na sala, na tentativa de ajudar. Tinha percepção o suficiente de que não podia ficar parado. Corria para pegar material, para auxiliar.

Ordens, pedidos, gritos na sala. Um breve desentendimento com a técnica de enfermagem que estava paralisada com a situação, alegando que jamais tinha visto aquilo e não sabia como agir.

Os cirurgiões prontamente preparando tudo para subir para a sala de operações. Logo saíram da sala de reanimação, cheia de sangue, com o corpo da menina ainda sobre a maca.

O estudante e a cirurgiã que atenderam a criança saíram dali de cabeça baixa, respirando fundo, e voltaram para a sala de emergência. Já era o fim do plantão e os médicos da noite estavam chegando, e aos poucos iam sabendo dos colegas que lutavam para tentar salvar duas vidas naquele momento.

O estudante decidiu ir ver a cirurgia. O silêncio profundo tomou conta da sala novamente.
Sangue, balas, ferimentos, o coração exposto, vários órgãos atingidos. Era a cena daquela cirurgia. O estudante ficou ali observando seus mestres trabalhando cuidadosamente para tentar salvar aquela vida. Fizeram o que podiam. Agora só podiam observar e esperar pelo melhor.

O estudante saiu, foi para o vestuário, lavou a mão como de costume e lá olhou por um breve momento para o espelho e jogou a água nele. Ele encarava o espelho com seriedade. Agora, o espelho refletia as lágrimas escorrendo no seu reflexo que ele não podia derrubar nos momentos da luta. Era o fim do plantão estendido. Era um momento de reflexão. E para os cirurgiões daquele pronto-socorro, era apenas o fim de mais um plantão.

Comentários

  1. Texto tocante... realidade cruel.... mas se ela se repetir, que também as lágrimas se repitam...

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