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[Coluna do Graco] Indelével

Saudações a todos os queridos leitores!
Hoje é Natal, dia em que os cristãos comemoram o nascimento de Yeshua. Um dia de festa, mas que muita gente esquece o significado: o sacrifício do Eterno em deixar tudo para viver como um ser humano. Nessa época, as pessoas tendem a ser mais bondosas e refletir sobre a felicidade verdadeira; e é aproveitando esse clima que eu trago a crônica de hoje.
A magia da crônica é perceber a amplitude na sutileza dos fatos que despercebemos a nossa volta. Não é difícil, todo mundo pode aprender grandes lições de vida se parar um pouco para observar os pequenos detalhes. Há alguns dias atrás, por exemplo, tive a oportunidade de presenciar uma daquelas cenas únicas na vida. Como se a felicidade se tornasse ao alcance dos meus olhos. Uma experiência que teve em mim um efeito que espero compartilhar com vocês na medida em que as palavras e a minha limitada capacidade permitirem.

Desejo a todos uma boa leitura!

Chag molad sameach!





Indelével
Fernando Graco

Traços de poeira e cinza escondiam o brilho discreto daquele fino bloco de metal, impiedosamente esmagado por centenas de pessoas todos os dias. Mesmo naquele vai e vem infindável, ninguém parecia notar os dois pequenos corpos exaustos que desfaleciam sobre a sua desagradável superfície, muito menos imaginar parte da poderosa história que elas poderiam compartilhar.
Os curtos e frágeis braços da mãe envolveram a pequena filha assim que o veículo sacudiu numa brusca desaceleração. As duas esforçavam-se para continuar acordadas pelo maior tempo que fosse possível, quando a mãe teve a ideia de um divertido jogo: uma deveria manter o olhar fixo nos olhos da outra, tentando manter a fisionomia séria. Poucos segundos e várias caretas depois, era impossível segurar o largo sorriso das duas.
Elas não tinham nada de especial ou que chamasse a atenção de alguém. Os grandes olhos escuros se destacavam entre o rosto redondo, marcado pelo sol e envolvido pelos cabelos secos e desgrenhados. As roupas eram simples e bem gastas, com marcas recentes de remendos nas bordas e molhadas pelo inesgotável suor do corpo. Eram figuras até então anônimas, mas que acabaram atraindo a curiosidade de um simples jornaleiro que também voltava para casa.

Um sorriso gentil foi o suficiente para cativar a atenção da pequena garota, que retribuiu o gesto. A expressão de ternura daquele senhor quase escondia o cansaço evidente em seu corpo, acentuado pelo esforço ao carregar uma pilha de revistas em seu braço. Uma delas rapidamente se tornou o alvo da pequena; a revista para colorir. Foi então que a mãe iniciou um breve diálogo com o senhor, questionando o valor da revista e seu conteúdo. Ele gentilmente respondeu a mãe e entregou-lhes uma para que avaliassem.

Ao ver o sorriso da pequena, a mãe não hesitou ao entregar o valor nas mãos do jornaleiro, que se espantou com o resultado de sua despretensiosa oferta. Ele recusou o dinheiro e disse que era um presente, mas a mãe insistiu em pagar. Não satisfeito, ele aceitou o valor, mas ofereceu outra revista como brinde. O sorriso da pequena havia se tornado uma expressão de preocupação que aquele senhor tentava entender. Então a mãe explicou a exaustiva jornada de trabalho que elas haviam tido naquele dia, e que o saldo de tudo aquilo eram os singelos quatro reais que tinha no bolso.
O senhor estava atônito. Tentava em sua mente entender a atitude da mãe naquela situação. Apesar das intermináveis dificuldades da vida, ela prontamente ofereceu metade do que tinha para dar uma simples revista. Uma loucura, você também pode estar pensando, mas o motivo que a levou a tomar aquela decisão não era atender um capricho da filha, muito menos um delírio consumista. A mãe então explicou que o aniversário da filha havia passado, mas não tinha como dar nada para agradecer aquela que também era sua melhor amiga, companheira e confidente. Quando aceitou aquele trabalho, já tinha planejado usar parte do dinheiro que conseguisse em um presente e, ao ver o sorriso de sua menina com aquela revista, ela tinha certeza de que havia feito uma boa escolha.

O veículo parou outra vez e o senhor desceu com um sorriso largo no rosto. As duas continuaram a viagem numa animada conversa e criaram um novo jogo: cada uma tinha uma identidade secreta, que deveria ser revelada com a ajuda de três pistas. E assim continuaram até chegarem ao seu ponto, onde desceram de mãos dadas.

Os pequenos gestos, o olhar, as mais simples palavras, o tom de voz, tudo mostrava o quanto realmente eram felizes. Não precisavam de uma grande casa, um carro ou roupas da moda (muito menos daquela revista); pois sabiam que o mais valioso tesouro estava na sua frente, crescendo a cada minuto investido juntos, e só com ele eram capazes de comprar o artigo mais valioso do mundo: a indelével tinta da felicidade, com a qual todos nós desejamos escrever a nossa história.

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